Caminhos da publicação: publicações alternativas

“Caminhos da publicação” é uma série de textos em que exploro as várias possibilidades de publicação de obras literárias com base em pesquisas e vivências minhas e de outras pessoas que escrevem e publicam. Leia o primeiro texto da série aqui.

Nas minhas andanças pelo meio literário, tenho me deparado com formas de publicação alternativas ao tradicional modelo de livro que podem ser um ótimo caminho para quem deseja publicar obras mais curtas, temáticas ou amostras de sua escrita sem depender de uma casa editorial. Hoje apresento as plaquetes e zines.

Plaquetes

Plaquetes são publicações curtas em prosa ou poesia que remontam à invenção da imprensa, no século XVI. Esse formato de publicação se proliferou no Brasil nos anos 1970, entre os poetas da Geração Mimeógrafo, que incluem Ana Cristina Cesar e Chacal. De lá pra cá, autores estreantes e consagrados se aventuram por essas publicações artesanais para reunir trabalhos temáticos e experimentais.

As plaquetes podem ser produzidas por editoras ou confeccionadas artesanalmente e costumam ser vendidas a um preço mais acessível que os livros, por terem um custo de produção bem menor. Podem ou não ter ISBN e ficha catalográfica como uma publicação tradicional e ser comercializadas em livrarias, feiras literárias, sites de editoras ou de mão em mão.

Algumas plaquetes editoriais. Acima: Janela + Mapa.Lab. Abaixo: Primata e Círculo de Poemas, respectivamente

Quem edita

Há várias editoras que se especializam na produção de plaquetes, como Primata, Mapa.Lab, Galileu Edições e Laboriosa Produções Poéticas. O clube de assinatura de livros Círculo de Poemas, uma iniciativa das editoras Fósforo e Luna Parque, também envia plaquetes inéditas escritas sob encomenda nas caixas mensais.

Zines

Alguns zines poéticos, da esqueda para a direita: Zine aleatório, organizado por Glaucia Ank, Azul, da @cartanai, Água de beber, de Jordão Pablo de Pão e Por debaixo da carne sou palavra, de Marina Grandolpho

Abreviação de fanzine (das palavras inglesas fan + magazine), a zine (ou o zine, como preferir) nasceu como uma publicação independente confeccionada por fãs de determinado assunto. Sua principal característica é ser feita à mão, com recortes, colagens, desenhos, ou diagramado no computador, mas com impressão e montagem caseira. Qualquer pessoa pode fazer uma zine sobre o que quiser, seja sobre sua banda favorita, literatura marginal ou de poemas autorais, como os da imagem acima. A zine O Berro, por exemplo, é uma revista de variedades culturais, com entrevistas, contos, poemas e artigos de opinião.

Zines são publicações independentes de distribuição gratuita ou de contribuição voluntária, e podem ter cunho provocativo, político, informativo ou artístico. Costumam circular em feiras, movimentos e grupos ligados aos temas a que se propõem. As zines de Aline Valek, autora de romances, contos e da newsletter Uma palavra, trazem assuntos curiosos (no melhor estilo Bobagens Imperdíveis) e ilustrações autorais, como a Mulheres do mar, de 2018. Essas zines eram comercializados na sua loja online até 2022.

Palavra de quem faz

Paula Maria

“Zine é movimento”, define Paula Maria. Autora dos livros de poemas Caminhos curtos para caracóis (Urutau, 2023) e Primeiros pedaços (Pedregulho, 2022) e da newsletter Te escrevo cartas, a capixaba radicada em São Paulo faz zines desde 2021.

A zine foi minha primeira publicação e permitiu que eu apresentasse minha poética por completo. Como não dependeria da aprovação alheia e os recursos estavam à mão, decidi tomar coragem e colocar o trabalho no mundo para circular. Menino bom nasceu em 2021, numa tiragem de 10 exemplares. Depois disso fiz outras zines menores, com distribuição gratuita ou não. O próximo projeto é mais audacioso e deve sair em breve.

Algumas zines de Paula Maria, enviadas a seus apoiadores de maneira periódica. Uma característica marcante dos seus zines são a combinação de textos poéticos e colagens.

Perguntei à Paula o que a zine tem que os outros formatos não têm:

Revolução e resistência. O que eu mais gosto na zine é a total falta de obrigação: não existem regras em relação a nada. Você pode imprimir, pode fotocopiar, pode escrever um a um, pode ser totalmente digital, pode ser totalmente manual. Você pode distribuir gratuitamente, pode deixar disponível para download, pode carregar cópias e vender por eventos, mesas de bar, no ponto de ônibus ou no metrô. A zine questiona o mercado editorial, o que é literatura, o que é arte, o que é um artista… Zine é movimento.

Thaís Campolina

Autora do livro de poemas Eu investigo qualquer coisa sem registro (Crivo Editorial, 2022) e mediadora dos clubes de leitura Leia Mulheres Divinópolis e Cidade Solitária, a mineira Thaís Campolina me contou um pouco da sua experiência com a autopublicação da plaquete noticiosas, produzida especialmente para circulação na Flip em 2023.

noticiosas, d e Thaís Campolina, em Paraty

Eu nunca sei o que fazer com os poemas que publiquei online depois que eles já estão no mundo. A plaquete noticiosas surgiu da minha vontade de reunir esses poemas inéditos no formato impresso, porque percebi que muitos dos meus trabalhos postados no blog ou publicados em revistas literárias dialogavam entre si. Quis, então, aproveitar essa ligação inesperada, ainda que nesse momento ainda não soubesse como fazer isso. Cogitei inicialmente simplesmente organizá-los e me autopublicar pelo KDP da Amazon ou alguma outra ferramenta parecida, mas como eu já tinha vivido uma experiência parecida publicando o conto Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija na Amazon, eu desisti dessa possibilidade.

Queria viver uma experiência nova como escritora e pessoa criativa. Queria colocar a mão na massa, ter algo mais a oferecer para leitores em eventos presenciais que eu ia, como a Flip e a Flicar.

Como as plaquetes e zines costumam ter um preço de produção reduzido em relação a um livro, decidi que ia investir no formato. Ao começar a mexer na diagramação dessa possível futura plaquete, descobri que queria criar em cima da seleção de poemas selecionados e assim surgiu a plaquete noticiosas que, além de reunir poemas, têm colagens que estão ali, dispostas de uma forma específica e proposital, como uma forma de dar liga ao projeto que eu descobri que queria fazer. Imagem e palavra se complementam em noticiosas, porque as notícias que chegam até nós, especialmente na era do Instagram, são marcadas por essa interação de linguagens e a gente reage a elas também dessa forma.

O formato plaquete/zine, então, surgiu para mim como uma possibilidade de dizer o que eu queria dizer da maneira que combinava mais com o meu bolso e meu momento.

Thaís Campolina também é autora de uma plaquete coletiva com as poetas Amanda Magalhães, Erica Martinelli, Fernanda Charret, Letícia Miranda que formam o Coletivo Zarafas. A plaquete foi publicada em dezembro pela editora Primata, que abre chamadas periódicas para publicação nesse formato acessível.

Fio condutor do coletivo Zarafas é fruto de uma experiência coletiva permeada de interesses em comum, estilos diferentes e muita vontade de se estar junto. Como o formato plaquete permite mais experimentação e isso tem tudo a ver com o que fazemos como amigas e apaixonadas por poesia, a chamada da Primata voltada para esse tipo de publicação nos atraiu.

Leia o post completo no Instagram

Luiza Leite Ferreira

Inspirada pela coragem de Thaís em produzir sua noticiosas, também me aventurei pelo universo das plaquetes para produzir minha Fruteira, uma publicação de diagramação e impressão caseira que reúne cinco poemas sobre frutas. Vendi alguns exemplares na Flip e sigo aceitando encomendas.

Mais sobre plaquetes e zines

CARMONA, Helena. #61: zines: o que são e por que criar a sua. Makers gonna make, 31/10/2023. Disponível em: https://makersgonnamake.substack.com/p/61-zines-o-que-sao-e-por-que-criar  Acesso em: 23/01/2024

GABRIEL, Ruan de Souza. Plaquetes: entenda por que livros curtos com produção artesanal e bom preço ganham espaço no mercado. O Globo, 07/12/2023, São Paulo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2023/12/07/plaquetes-entenda-por-que-livros-curtos-com-producao-artesanal-e-bom-preco-ganham-espaco-no-mercado.ghtml  Acesso em: 22/01/2024

FERREIRA, Luiza Leite. Zines e plaquetes. Revista Lira, nº 5, p. 15, dezembro de 2023. Disponível em: https://apoia.se/lira/contents/view/Revista-05-4Tn2gy1tV?page=1#0 Acesso em: 22/01/2024

RÜSCHE, Ana. Zines, papel para um idioma pessoal. anarusche.com, 2016. Disponível em: https://anarusche.com/zines-papel-para-um-idioma-pessoal-2/ Acesso em: 22/01/2024


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