Leia: Cartas a um jovem poeta, Rainer Maria Rilke

img_1135Esse é um daqueles livros que todo escritor deveria ler em algum momento da sua jornada. Ele já estava na minha estante há alguns anos, esperando quietinho, até encontrar o momento certo para me abraçar com suas palavras acalentadoras e encorajadoras. Sim, naqueles momentos de desesperança e autocrítica exacerbada, esse livro (ou melhor, as palavras de Rilke) vai te guiar e te abraçar. Pelo menos foi assim comigo.

Rainer Maria Rilke nasceu em 4 de dezembro de 1875 em Praga, quando esta ainda integrava o império austro-húngaro. Em 1896 iniciou estudos em história da arte na Universidade de Munique. Aos 19 anos publicou seu primeiro livro, “Vida e Canções”. Em 1905 publicou sua grande obra, “O livro das Horas”, e em seguida “Novos Poemas” (1907-1908), “Elegias de Duíno” e “Sonetos a Orfeu”, os dois últimos em 1922. Entre 1902 e 1912, passeou por toda a Europa dando conferências. Após a Primeira Guerra Mundial, fixou residência na Suíca Alemã, onde faleceu de leucemia em 29 de dezembro de 1926.

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Foto do autor na contracapa da minha edição

Em 1902, o jovem alemão Franz Xaver Kappus, admirador da poesia do já consagrado Rainer Maria Rilke, segue o conselho de um professor e inicia uma série de correspondências com seu ídolo, confiando-lhe seus poemas e apreensões artísticas. Rilke, com muita gentileza e humildade, responde às cartas do jovem poeta com conselhos preciosos, não só sobre a arte da escrita, mas também sobre as angústias da vida. Selecionei abaixo alguns temas dos quais ele trata nessas cartas.

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A crítica é, para muitas pessoas, mas sobretudo para os artistas, um golpe direto no coração. Todos precisam aprender a lidar com críticas, pois, quando construtivas, visam ao engrandecimento do trabalho, para que este seja melhor apreciado por um maior número de pessoas. Uma crítica bem feita pode ser o que separa um trabalho mediano de um trabalho magnífico. Mas no momento em que recebemos uma crítica, por mais que saibamos apreciá-la depois, o que queremos ouvir é algo assim:

Deixe-me lhe fazer um pedido: leia o menos possível trabalhos de estética e crítica. Ou são opiniões partidárias petrificadas e tornadas sem sentido em sua rigidez morta, ou hábeis jogos de palavras inspirados hoje numa opinião, amanhã noutra. As obras de arte são de uma infinita solidão; nada as pode alcançar tão pouco quanto a crítica. Só o amor as pode compreender e manter e mostrar-se junto com elas. É sempre a si mesmo e a seu sentimento que deve dar razão contra toda explanação, comentário ou introdução dessa espécie. (Rilke, p. 36-37)

A paciência não é uma virtude natural aos jovens, mas é essencial aos artistas. Ter paciência é um conselho recorrente nas cartas de Rilke ao jovem Sr. Kappus:

Ser artista não significa calcular e contar, mas sim amadurecer como a árvore que não apressa a sua seiva e enfrenta tranquila as tempestades da primavera, sem medo de que depois dela não venha nenhum verão. O verão há de vir. Mas virá só para os pacientes, que aguardam num silêncio intrépido, como se diante deles estivesse a eternidade. Aprendo-o diariamente, no meio de dores a que sou agradecido: a paciência é tudo. (p. 37)

O senhor é tão moço, tão aquém de todo começar, que lhe rogo, como melhor posso, ter paciência com tudo o que há para resolver em seu coração e procurar amar as próprias perguntas como quartos fechados ou livros escritos num idioma muito estrangeiro. Não busque por enquanto respostas que não lhe podem ser dadas, porque não as poderia viver. (p. 42)

A solidão, tão detestada por muitos, e da qual o Sr. Kappus se queixa com frequência, é por Rilke louvada:

(…) Mas se verificar, nesse momento, que a sua solidão é grande, alegre-se com isso. Que seria, com efeito, uma solidão (faça essa pergunta a si mesmo) que não tivesse grandeza? Há uma solidão só: é grande e difícil de carregar. (…) O que se torna preciso é no entanto isto: solidão, uma grande solidão interior. Entrar em si mesmo, não encontrar ninguém durante horas – eis o que se deve saber alcançar. (p. 51-52)

É bom estar só, porque a solidão é difícil. O fato de uma coisa ser difícil deve ser um motivo a mais para que seja feita. (p.58)

Outra coisa difícil e para qual os jovens não estão preparados, segundo Rilke, é o amor:

Amar também é bom: porque o amor é difícil. O amor de duas criaturas humanas talvez seja a tarefa mais difícil que nos foi imposta, a maior e última prova, a obra para a qual todas as outras são apenas uma preparação. Por isso, pessoas jovens que ainda são estreantes em tudo não sabem amar: têm que aprendê-lo. (p. 58)

A edição que li foi traduzida por Paulo Rónai e traz, além das cartas, dois prefácios – um de Nei Duclós e um de Cecília Meirelles, da primeira edição – e um poema de Rilke, traduzido por Cecília Meirelles, A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke. Apesar de amar poesia, vou confessar que esse poema não me tocou tanto quanto as cartas. Evoco aqui uma citação do prefácio de Cecília Meirelles, que serve para esse e qualquer poema:

Sobre um poema quase nunca há nada a dizer. Deseja-se que seja amado, se for possível. (Prefácio de Cecília Meirelles, p.16).

É bem verdade também que, após sua publicação, Cartas a um jovem poeta tornou-se a obra mais famosa de Rainer Maria Rilke, ofuscando completamente suas obras anteriores. Mas é interessante conhecer uma amostra do trabalho que produziu as experiências das quais o escritor-mentor Rilke tirou conselhos tão valiosos para nos presentear.

Relendo o livro para selecionar essas passagens, senti o afeto e a gentileza do poeta me envolverem novamente, como da primeira vez, e pude me encantar mais uma vez com a obra, prestando atenção a detalhes que de uma primeira leitura não me cativaram. Esse é verdadeiramente um livro de cabeceira, daqueles que se deve abrir de tempos em tempos e nos quais sempre se encontrará algo novo e reconfortante.

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Referência bibliográfica:

RILKE, Rainer Maria. Cartas um jovem poeta e A canção de amor e de morte do porta-estandarte Cristóvão Rilke: tradução Paulo Rónai e Cecília Meirelles. São Paulo: Globo, 2001.

http://www.livrariacultura.com.br/p/cartas-a-um-jovem-poetacancao-de-amor-e-de-morte-58240

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