Leia: Conto ou não conto, de Ana Helena Reis

Contar histórias é uma tradição ancestral, mais antiga que a escrita, e que está na essência do ser humano. Somos seres sociais e nos apresentamos ao mundo por meio de nossas histórias. Quem somos, de onde viemos, o que fazemos, com quem partilhamos nossa existência. Cada pedaço de vida pode se desdobrar em centenas de histórias e ser contada por milhares de pontos de vista diferentes.

Dentre milhares de histórias, como escolher quais contar e quais não contar? Que elementos incluir e quais deixar de fora? Contar ou não contar? Para resolver esse dilema, a escritora Ana Helena Reis encontra uma terceira via ao conseguir contar histórias sem entregar de bandeja o que está acontecendo – o famoso recurso cinematográfico de mostrar, não contar.

O conto cujo título nomeia a coletânea, “Conto ou não conto?” é uma provocação de múltiplos efeitos: acompanhamos uma personagem que acaba de receber uma notícia e se debate entre contar ou não contar aos seus entes mais próximos. Não sabemos que notícia é essa, mas pela forma como a personagem reage e entra em espirais mentais sobre as consequências da notícia e de contar ou não contar, esboçamos uma ideia do que possa ser, sem que a autora precise nos explicitar – o que torna a leitura muito mais atraente e estimulante.

Com um estilo fluido e conciso que captura em poucas páginas a essência de uma cena, a autora nos surpreende ao longo dos 34 contos dessa coletânea, sempre com um desfecho impactante. Por serem textos breves, que se estendem por até três páginas, Conto ou não conto é um livro perfeito para levar na bolsa e ler nas brechas da rotina – no metrô, na sala de espera, entre uma aula e outra – e se deliciar com as vivas criações dessa autora estreante que traz um olhar experiente e maduro sobre as relações humanas e as reflexões que nos comem por dentro.

Sobre a autora

Ana Helena Reis é empresária, pesquisadora e professora que sempre teve como ofício a escrita de artigos e textos jornalísticos. A partir de 2019, começou a se dedicar à escrita e à publicação de textos em prosa: contos, crônicas e resenhas, relacionados a fatos e situações do cotidiano. Ao pensar na forma de publicação de seus escritos, foi buscar um outro gosto seu, a pintura e o desenho. Daí, surgiram as ilustrações que dão sentido ao próprio nome do seu blog: Pincel de Crônicas. Tem uma coluna nos sites Crônicas Cariocas e Escritor Brasileiro. Participou de coletâneas e antologias pelas editoras Selo Off-Flip, Metamorfose, Santa Sede, Persona e Sinete, além de inserções pontuais em diversas revistas eletrônicas.

Ficha técnica

Autora: Ana Helena Reis
Editora: Paraquedas
Gênero: Ficção
Formato: 21 x 14
Páginas: 124
ISBN: 9786560880122

O livro está disponível em formato físico e ebook na loja da editora.

Mais sobre o livro:

Este livro foi recebido através da parceria literária com a com.tato, uma agência de curadoria de comunicação que fortalece a imagem de autores, autoras e editoras.

Veja: o filme Pérola (Brasil, 2023)

Uma premissa simples e uma protagonista cativante me fizeram gostar tanto desse filme a ponto de assistir duas vezes no cinema.

Fonte: Globo Filmes

Com Drica Moraes no papel-título, direção de Murilo Benício, o filme “Pérola” é baseado na peça homônima e autobiográfica de Mauro Rasi e conta a história de uma matriarca cuja grande realização é viver em uma mansão com piscina. O filme começa nos anos 1950 e acompanha a família – Pérola, o marido Vado, e os filhos Mauro e Elisa – ao longo de vários anos desde a mudança para a “mansão com piscina” – uma casa modesta de 3 quartos, com uma garagem apertada e um quintal promissor onde será instalada a futura piscina.

Passam-se anos até que a piscina seja enfim construída e inaugurada. Mas desde o dia da mudança a futura piscina vira o centro das atenções da casa e de Pérola, que organiza todas as festas e reuniões familiares em torno do canteiro de obras e faz questão de compartilhar seu entusiasmo com as irmãs amarguradas e os amigos. Na festa de noivado da filha mais nova, é dentro da piscina ainda sem azulejos que os convidados dançam. O entusiasmo de Pérola com sua piscina é constante, desde a compra da casa até a grande festa de inauguração. Ela não espera a piscina ficar pronta para ser feliz.

A piscina é ao mesmo tempo pano de fundo e personagem da história. É na beira da piscina que acontecem os grandes momentos do filme. É durante a festa de inauguração da piscina que Mauro, o filho artista, decide sair da provinciana Bauru para viver seus sonhos no Rio de Janeiro. É também na beira da piscina que a relação conjugal da irmã de Mauro com o aprendiz de pastor Danilo começa a dar sinais de desgaste. E em outro momento, onde as irmãs de Pérola decidem que é ela quem deve abrigar a mãe enferma, obrigando Mauro a ceder seu espaço para a avó e se mudar para o quarto cor-de-rosa da irmã mais nova.

A história é narrada em flashbacks fora de ordem, a partir das lembranças de Mauro ao receber a notícia da morte da mãe. A piscina serve então como marco temporal. É pelo andamento da obra que sabemos se certos acontecimentos se passam antes ou depois de outros.

Pérola, a orgulhosa proprietária da mansão com piscina, não passa pela vida sem dificuldades, tanto financeiras quanto de relacionamento – com as irmãs, com os filhos. O principal conflito da história, afinal, é entre a mãe convencional que quer o filho adequado a um certo modelo de sucesso e o filho intelectual que tem ideias e sonhos grandes demais para uma existência interiorana.

Mas Pérola tira tudo isso de letra, mesmo quando o filho a abandona em seu momento de glória, prestes a dar o mergulho inaugural na piscina. Os aborrecimentos parecem brisa passageira, e a mãe não demora a perdoar o filho e apoiar sua carreira e sua nova vida de artista.

Na festa de aniversário que coincide com a inauguração da piscina, Pérola recebe do marido uma plaquinha rústica para pendurar na área da churrasqueira, com os dizeres “Se a vida lhe der limões, faça uma caipirinha”. Pérola se diverte com o presente original que resume seu estilo de vida. Uma caipirinha e uma piscina são tudo o que precisa para ser feliz. Longe de ser uma ode ao alcoolismo ou ao hedonismo, Pérola nos lembra que a felicidade está nas coisas simples e tangíveis.

Fonte: Globo Filmes

Caminhos da publicação: publicações alternativas

“Caminhos da publicação” é uma série de textos em que exploro as várias possibilidades de publicação de obras literárias com base em pesquisas e vivências minhas e de outras pessoas que escrevem e publicam. Leia o primeiro texto da série aqui.

Nas minhas andanças pelo meio literário, tenho me deparado com formas de publicação alternativas ao tradicional modelo de livro que podem ser um ótimo caminho para quem deseja publicar obras mais curtas, temáticas ou amostras de sua escrita sem depender de uma casa editorial. Hoje apresento as plaquetes e zines.

Plaquetes

Plaquetes são publicações curtas em prosa ou poesia que remontam à invenção da imprensa, no século XVI. Esse formato de publicação se proliferou no Brasil nos anos 1970, entre os poetas da Geração Mimeógrafo, que incluem Ana Cristina Cesar e Chacal. De lá pra cá, autores estreantes e consagrados se aventuram por essas publicações artesanais para reunir trabalhos temáticos e experimentais.

As plaquetes podem ser produzidas por editoras ou confeccionadas artesanalmente e costumam ser vendidas a um preço mais acessível que os livros, por terem um custo de produção bem menor. Podem ou não ter ISBN e ficha catalográfica como uma publicação tradicional e ser comercializadas em livrarias, feiras literárias, sites de editoras ou de mão em mão.

Algumas plaquetes editoriais. Acima: Janela + Mapa.Lab. Abaixo: Primata e Círculo de Poemas, respectivamente

Quem edita

Há várias editoras que se especializam na produção de plaquetes, como Primata, Mapa.Lab, Galileu Edições e Laboriosa Produções Poéticas. O clube de assinatura de livros Círculo de Poemas, uma iniciativa das editoras Fósforo e Luna Parque, também envia plaquetes inéditas escritas sob encomenda nas caixas mensais.

Zines

Alguns zines poéticos, da esqueda para a direita: Zine aleatório, organizado por Glaucia Ank, Azul, da @cartanai, Água de beber, de Jordão Pablo de Pão e Por debaixo da carne sou palavra, de Marina Grandolpho

Abreviação de fanzine (das palavras inglesas fan + magazine), a zine (ou o zine, como preferir) nasceu como uma publicação independente confeccionada por fãs de determinado assunto. Sua principal característica é ser feita à mão, com recortes, colagens, desenhos, ou diagramado no computador, mas com impressão e montagem caseira. Qualquer pessoa pode fazer uma zine sobre o que quiser, seja sobre sua banda favorita, literatura marginal ou de poemas autorais, como os da imagem acima. A zine O Berro, por exemplo, é uma revista de variedades culturais, com entrevistas, contos, poemas e artigos de opinião.

Zines são publicações independentes de distribuição gratuita ou de contribuição voluntária, e podem ter cunho provocativo, político, informativo ou artístico. Costumam circular em feiras, movimentos e grupos ligados aos temas a que se propõem. As zines de Aline Valek, autora de romances, contos e da newsletter Uma palavra, trazem assuntos curiosos (no melhor estilo Bobagens Imperdíveis) e ilustrações autorais, como a Mulheres do mar, de 2018. Essas zines eram comercializados na sua loja online até 2022.

Palavra de quem faz

Paula Maria

“Zine é movimento”, define Paula Maria. Autora dos livros de poemas Caminhos curtos para caracóis (Urutau, 2023) e Primeiros pedaços (Pedregulho, 2022) e da newsletter Te escrevo cartas, a capixaba radicada em São Paulo faz zines desde 2021.

A zine foi minha primeira publicação e permitiu que eu apresentasse minha poética por completo. Como não dependeria da aprovação alheia e os recursos estavam à mão, decidi tomar coragem e colocar o trabalho no mundo para circular. Menino bom nasceu em 2021, numa tiragem de 10 exemplares. Depois disso fiz outras zines menores, com distribuição gratuita ou não. O próximo projeto é mais audacioso e deve sair em breve.

Algumas zines de Paula Maria, enviadas a seus apoiadores de maneira periódica. Uma característica marcante dos seus zines são a combinação de textos poéticos e colagens.

Perguntei à Paula o que a zine tem que os outros formatos não têm:

Revolução e resistência. O que eu mais gosto na zine é a total falta de obrigação: não existem regras em relação a nada. Você pode imprimir, pode fotocopiar, pode escrever um a um, pode ser totalmente digital, pode ser totalmente manual. Você pode distribuir gratuitamente, pode deixar disponível para download, pode carregar cópias e vender por eventos, mesas de bar, no ponto de ônibus ou no metrô. A zine questiona o mercado editorial, o que é literatura, o que é arte, o que é um artista… Zine é movimento.

Thaís Campolina

Autora do livro de poemas Eu investigo qualquer coisa sem registro (Crivo Editorial, 2022) e mediadora dos clubes de leitura Leia Mulheres Divinópolis e Cidade Solitária, a mineira Thaís Campolina me contou um pouco da sua experiência com a autopublicação da plaquete noticiosas, produzida especialmente para circulação na Flip em 2023.

noticiosas, d e Thaís Campolina, em Paraty

Eu nunca sei o que fazer com os poemas que publiquei online depois que eles já estão no mundo. A plaquete noticiosas surgiu da minha vontade de reunir esses poemas inéditos no formato impresso, porque percebi que muitos dos meus trabalhos postados no blog ou publicados em revistas literárias dialogavam entre si. Quis, então, aproveitar essa ligação inesperada, ainda que nesse momento ainda não soubesse como fazer isso. Cogitei inicialmente simplesmente organizá-los e me autopublicar pelo KDP da Amazon ou alguma outra ferramenta parecida, mas como eu já tinha vivido uma experiência parecida publicando o conto Maria Eduarda não precisa de uma tábua ouija na Amazon, eu desisti dessa possibilidade.

Queria viver uma experiência nova como escritora e pessoa criativa. Queria colocar a mão na massa, ter algo mais a oferecer para leitores em eventos presenciais que eu ia, como a Flip e a Flicar.

Como as plaquetes e zines costumam ter um preço de produção reduzido em relação a um livro, decidi que ia investir no formato. Ao começar a mexer na diagramação dessa possível futura plaquete, descobri que queria criar em cima da seleção de poemas selecionados e assim surgiu a plaquete noticiosas que, além de reunir poemas, têm colagens que estão ali, dispostas de uma forma específica e proposital, como uma forma de dar liga ao projeto que eu descobri que queria fazer. Imagem e palavra se complementam em noticiosas, porque as notícias que chegam até nós, especialmente na era do Instagram, são marcadas por essa interação de linguagens e a gente reage a elas também dessa forma.

O formato plaquete/zine, então, surgiu para mim como uma possibilidade de dizer o que eu queria dizer da maneira que combinava mais com o meu bolso e meu momento.

Thaís Campolina também é autora de uma plaquete coletiva com as poetas Amanda Magalhães, Erica Martinelli, Fernanda Charret, Letícia Miranda que formam o Coletivo Zarafas. A plaquete foi publicada em dezembro pela editora Primata, que abre chamadas periódicas para publicação nesse formato acessível.

Fio condutor do coletivo Zarafas é fruto de uma experiência coletiva permeada de interesses em comum, estilos diferentes e muita vontade de se estar junto. Como o formato plaquete permite mais experimentação e isso tem tudo a ver com o que fazemos como amigas e apaixonadas por poesia, a chamada da Primata voltada para esse tipo de publicação nos atraiu.

Leia o post completo no Instagram

Luiza Leite Ferreira

Inspirada pela coragem de Thaís em produzir sua noticiosas, também me aventurei pelo universo das plaquetes para produzir minha Fruteira, uma publicação de diagramação e impressão caseira que reúne cinco poemas sobre frutas. Vendi alguns exemplares na Flip e sigo aceitando encomendas.

Mais sobre plaquetes e zines

CARMONA, Helena. #61: zines: o que são e por que criar a sua. Makers gonna make, 31/10/2023. Disponível em: https://makersgonnamake.substack.com/p/61-zines-o-que-sao-e-por-que-criar  Acesso em: 23/01/2024

GABRIEL, Ruan de Souza. Plaquetes: entenda por que livros curtos com produção artesanal e bom preço ganham espaço no mercado. O Globo, 07/12/2023, São Paulo. Disponível em: https://oglobo.globo.com/cultura/livros/noticia/2023/12/07/plaquetes-entenda-por-que-livros-curtos-com-producao-artesanal-e-bom-preco-ganham-espaco-no-mercado.ghtml  Acesso em: 22/01/2024

FERREIRA, Luiza Leite. Zines e plaquetes. Revista Lira, nº 5, p. 15, dezembro de 2023. Disponível em: https://apoia.se/lira/contents/view/Revista-05-4Tn2gy1tV?page=1#0 Acesso em: 22/01/2024

RÜSCHE, Ana. Zines, papel para um idioma pessoal. anarusche.com, 2016. Disponível em: https://anarusche.com/zines-papel-para-um-idioma-pessoal-2/ Acesso em: 22/01/2024


Caminhos da publicação

Publicar um livro é o sonho de toda pessoa que escreve. Mas, nem sempre é fácil ter o livro em mãos. Durante muitos anos a publicação de livros foi um sonho distante, uma realidade acessível a poucos, especialmente quando se olha apenas para grandes editoras que publicam nomes consagrados e quase nunca recebem originais de escritores inéditos que não sejam representados por uma agência literária.

Mas essa realidade vem se transformando. Graças à profusão de editoras independentes, o mercado editorial está crescendo e se tornando cada vez mais acessível: hoje, existem cerca de 200 editoras associadas à Liga Brasileira de Editoras Independentes (LIBRE), dezenas das quais recebem originais para publicação de maneira periódica. Entre elas, tem as que privilegiam a publicação de autores estreantes, as que priorizam autores de grupos minoritários ou das regiões em que estão inseridas e outras ainda focam em gêneros literários específicos, como poesia ou ficção científica.

Além das editoras independentes que publicam de maneira tradicional, financiando todo o processo editorial ou trabalhando com financiamento coletivo e pré-venda, há outras maneiras de publicar seus escritos.

A autopublicação, em que o autor busca uma gráfica ou editora especializada nesse modelo, garante total controle sobre o projeto editorial, desde a escolha da capa até a escolha de profissionais para editar, revisar e diagramar o livro. Por outro lado, o investimento e as vendas também ficam por conta do autor. Dentro desse modelo há ainda a publicação em ebook, mais econômica (o próprio autor pode diagramar seu livro digital) e com maior alcance que a publicação impressa, com venda através de grandes plataformas, como a Amazon.

Publicar por editora ou por conta própria, em livro físico ou digital, é uma escolha pessoal que deve considerar os objetivos e possibilidades de cada pessoa e isso rende pano pra manga – ou texto pra post! Os caminhos de publicação são muitos e é preciso pesquisar e conhecer o que funciona melhor para cada escritor.

Na série de textos “Caminhos da publicação”, vou explorar as várias possibilidades de publicação de obras literárias com base em pesquisas e vivências, como por exemplo:

  • Autopublicações
  • Publicações tradicionais por editoras
  • Publicações alternativas e artesanais
  • Publicações em revistas
  • Publicações em antologias
  • Prêmios e concursos literários

Vem comigo explorar esses caminhos?


Leia: Conto ou não conto, de Ana Helena Reis

Contar histórias é uma tradição ancestral, mais antiga que a escrita, e que está na essência do ser humano. Somos seres sociais e nos apresentamos ao mundo por meio de nossas histórias. Quem somos, de onde viemos, o que fazemos, com quem partilhamos nossa existência. Cada pedaço de vida pode se desdobrar em centenas de…

Veja: o filme Pérola (Brasil, 2023)

Uma premissa simples e uma protagonista cativante me fizeram gostar tanto desse filme a ponto de assistir duas vezes no cinema. Com Drica Moraes no papel-título, direção de Murilo Benício, o filme “Pérola” é baseado na peça homônima e autobiográfica de Mauro Rasi e conta a história de uma matriarca cuja grande realização é viver…

Caminhos da publicação: publicações alternativas

“Caminhos da publicação” é uma série de textos em que exploro as várias possibilidades de publicação de obras literárias com base em pesquisas e vivências minhas e de outras pessoas que escrevem e publicam. Leia o primeiro texto da série aqui. Nas minhas andanças pelo meio literário, tenho me deparado com formas de publicação alternativas…

Leia: O som do pólen derramado, Yara Fers

“Poesia em estado de garça” é como Cida Pedrosa[1] define os poemas de Yara Fers no prefácio de O som do pólen derramado. De fato, a poética de Yara em seu novo livro traz algo de graça e de garça: a concentração, a introspecção, e o silêncio, necessários para abocanhar o peixe-poema. Aqui, a natureza é protagonista do olhar atento de Yara, que traduz suas emoções em folhas caídas, brisas, ondas do mar, cigarras, flores, montanhas, neblina, pássaros. Uma sinestesia de sons, cores, texturas, gostos e cheiros invade as páginas deste livro — e os nossos sentidos.

O livro como objeto também traz uma experiência sensorial para a leitura: uma publicação artesanal, de tiragem limitada e numerada (o meu é o exemplar nº 44), costurada a mão pela própria Yara e publicada pela Editora Arpillera, da qual é fundadora.

reza

minha prece
não é feita de cânticos
ou rosários
em coletivas vozes novenas

minha prece
é esta garça
silenciosa

Escritos durante a pandemia e após a perda da mãe, em 2020, os poemas de O som do pólen derramado também guardam o silêncio da perda, da ausência. A metáfora do pólen, conforme a autora explica em um post no Instagram, é a de queda e renascimento. Lembra um pouco a música de Gilberto Gil: “tem que morrer pra germinar”. Assim como o grão de Gil, o pólen de Yara se derrama para polinizar, florescer e frutificar – em forma de poesia.

ruptura

o abanar
da asa da borboleta
esse ínfimo som
assombra
a calmaria do pistilo

o som
do pólen derramado

Da dor e do silêncio da poeta, nascem “quasinstantes” que nos convidam a “ver/ouvir a natureza dentro/fora de nós”, como diz Renata Ettinger[2], que assina a orelha. Assim como a natureza que se renova a cada estação, Yara Fers aprendeu com as primaveras a se cortar e voltar sempre inteira para a poesia.[3]

Leia também o poema “cigarra”, publicado no portal Fazia Poesia:

Sobre a autora

Yara Fers nasceu em Ribeirão Preto (SP) e mora na Bahia. É autora dos livros Sádica sílaba (2021), Desmecanismos (2021), Haicactos e mandacarus (2022), Meio magma, meio magnólia (2022) e Anatomia de um quase corpo (2022). Ministra cursos e oficinas de escrita, é editora de comunicação do portal Fazia Poesia e fundadora da Editora Arpillera, de livros artesanais. Participa dos coletivos Escreviventes, Poexistência, NuaPalavra e Papel Mulher. O som do pólen derramado está disponível no site da Arpillera.


[1] Cida Pedrosa é poeta e vereadora do Recife pelo PCdoB. É autora de Araras vermelhas (Cia. das Letras, 2022), finalista do Prêmio Jabuti em 2023, e de Solo para Vialejo (CEPE, 2019), que conquistou o Jabuti de Livro do Ano em 2020.

[2] Renata Ettinger é poeta e publicitária. É autora dos livros Habitadores (Patuá, 2023) e A mesma vida é outra (2022). Apresenta o podcast de leituras poéticas Trago Poemas e o Sarau Preamar em Salvador.

[3] Referência ao poema “Desenho”, de Cecília Meireles, do livro Mar Absoluto, que integra sua Antologia Poética (Global, 2013).

O que aprendi com… Stephen King em “Sobre a escrita”

Há alguns anos li “Sobre a escrita: a arte em memórias“, livro de não ficção em que Stephen King rememora os primeiros passos da sua carreira de escritor, os percalços e conquistas do caminho e oferece muitas dicas valiosas para quem escreve ou quer começar a escrever.

Esse foi um dos meus primeiros contatos com livros sobre escrita, numa época em que eu estava procurando o meu caminho de volta para esse campo, e como o exemplar que li era emprestado de uma amiga, anotei alguns trechos da leitura que achei relevantes, e que agora compartilho com vocês, junto com meus próprios conselhos.

Ficha técnica
Título: Sobre a escrita – a arte em memórias
Autor: Stephen King
Tradutor: Michel Teixeira
Editora: Suma (Companhia das Letras)
Páginas: 256
Ano: 2015

1. “Escreva com a porta fechada, reescreva com a porta aberta”

“Em outras palavras, você começa escrevendo algo só seu, mas depois o texto precisa ir para a rua”. Neste conselho, King deixa clara a importância de contar com um leitor crítico, alguém de confiança que possa oferecer comentários que ajudem a aprimorar a sua escrita, seja no aspecto técnico ou narrativo. Para ele, o olhar de um segundo leitor é crucial para a qualidade da sua história.

2. Aprenda com as rejeições

Rejeições fazem parte da jornada de todo escritor. King reforça a importância de aprender com elas para melhorar o nosso trabalho. Ele conta que, quando começou a escrever contos ainda na adolescência, recebia muitas cartas de revistas e editoras agradecendo e lamentando não poder publicar seu trabalho naquele momento. Em vez de jogar as cartas fora em protesto, ele as pregava em seu mural, acima da mesa onde escrevia, como lembrete de que ainda tinha muito trabalho a fazer para melhorar como escritor.

3. É impossível aprender sobre escrita sem ler bons livros

“Leia muito, escreva muito”, diz King. Mas leia bons livros, livros bem escritos, com os quais podemos aprender. No início, é comum que nossa escrita reflita as nossas referências literárias, tendemos a escrever parecido com quem lemos e admiramos. É um bom exercício, faz parte do processo de encontrar nossa própria voz. O “ler muito” aqui também se refere a ler diversidade: leia romances, contos, poemas, leia mulheres, homens, pessoas negras, pessoas LGBTQIA+, pessoas indígenas, pessoas com deficiência. Amplie seu espectro de leituras, varie as vozes que escuta e os universos que você explora.

Também faz bem ler muito dentro do gênero que você escreve e saber o que seus colegas estão fazendo. Dia desses a Vanessa Guedes contou em sua newsletter sobre uma moça do seu curso de escrita que dizia querer entrar no ramo de ficção científica porque não havia mulheres no gênero, ignorando completamente a existência de nomes de peso como Ursula K. Le Guin, N. K. Jemisin, e outras tantas. Se eu que não sou fã do gênero pelo menos já ouvi falar de mulheres proeminentes na ficção científica, quem quer fazer carreira nessa área não pode ficar atrás.

4. Leia em qualquer lugar, mas escreva em um canto só seu

Parece um conselho dado por Virginia Woolf em Um teto todo seu, mas foi o King que falou. A leitura pode e deve ser feita a qualquer hora, em qualquer lugar. Essa máxima eu sigo há tempos: leio na barca, no metrô, no ônibus, na sala de espera do consultório, na fila do mercado, na cama, no sofá, na beira da piscina, na praia, na sala de aula, no corredor, enfim, onde der. Agora, para King, a escrita precisa ser feita em um lugar próprio, idealmente com uma porta para fechar atrás de si. Assim, é possível criar uma barreira entre você e o mundo externo e se concentrar inteiramente na escrita.

Não lembro se isso estava no livro, mas interpreto essa porta fechada também como um estado de concentração absoluta: escrever sem a distração de mensagens, aplicativos e besteiras que vemos na internet. Taí um desafio para escritores e escritoras pós-modernos.

5. Estabeleça uma meta diária para escrever

Muita gente que escreve preza por estabelecer metas de escrita. O movimento National Novel Writing Month (NaNoWriMo) inclusive nasceu assim: desde 1999 os participantes do NaNoWriMo dedicam o mês de novembro inteiro à escrita de 50 mil palavras de um romance. O movimento cresceu tanto que virou uma comunidade de escrita, onde você pode estabelecer suas metas, acompanhar o seu progresso e o de seus amigos, trocar ideias com outros escritores nos fóruns, compartilhar dicas de escrita etc. Eu e o Daniel Pandeló Corrêa tentamos isso um ano. Ele bateu a meta, eu acho que não durei uma semana.

Meu vergonhoso painel abandonado no NaNoWriMo

Stephen King sugere mil palavras por dia como meta inicial. Lembro de ter ouvido em algum lugar que o Jô Soares escrevia uma página por dia ou algo assim (não encontrei a referência para comprovar). O importante é criar uma meta que seja viável para você. E, depois de atingir a meta, se estiver se sentindo confiante, sempre podemos dobrar a meta.

6. “Escreva o que quiser, mas escreva com verdade”

Esse conselho também foi dado pela Teresa Cárdenas no outro texto dessa série, e acredito que vários escritores e escritoras tenham variações desse conselho para dar. Basicamente, o que King diz aqui é para usar a sua própria voz. O bom e velho “seja você mesmo”. Invente o que quiser para contar a sua história, mas não perca a verdade de vista. A sua essência tem que transparecer na sua escrita. Pessoas se conectam com pessoas, e é por isso que preferimos mil vezes ler textos escritos por gente do que por inteligência artificial.

O livro do Stephen King tem ainda um monte de dicas clássicas de manuais de escrita como “evite a voz passiva”, “evite advérbios após verbos dicendi”, mas o que eu registrei no meu caderninho 6 anos atrás e ainda está bem vivo na minha memória foram esses conselhos que eu trouxe hoje. Espero que sejam úteis para você que me lê.

Já leu “Sobre a escrita”? Me conta que outros conselhos interessantes eu deixei de listar aqui. 😉

O que aprendi com… Teresa Cárdenas

Conselhos de escrita da premiada autora cubana de Cartas para minha mãe, Cachorro velho, e outros livros

“Escrevo como se fosse à guerra; e apaixonadamente” — Teresa Cárdenas, Biblioteca do Sesc Niterói, 16/09/2023

Conselhos de escrita que Teresa Cárdenas deu a uma turma de escritoras na biblioteca do Sesc Nterói
Teresa Cárdenas no Sesc Niterói, 16/09/2023. Foto: Kelly Martins

Sobre a autora

Nascida em Cuba em 1970, Teresa Cárdenas se interessou pela escrita desde cedo, ao sentir falta de personagens que se parecessem com ela nos livros que lia. Ao participar de um concurso literário pela primeira vez aos 15 anos, chamou a atenção de um professor, que a incentivou a seguir escrevendo. Desde então, escreveu mais de 20 livros, traduzidos para vários idiomas, e é considerada uma das maiores vozes da literatura infanto-juvenil.

Entre seus livros premiados estão Cartas para a minha mãe (1998), com vários prêmios nacionais e Cachorro Velho (2005), ganhador do Prêmio Casa de Las Américas em 2005. Ambos foram adotados em programas de leitura em escolas brasileiras públicas e privadas. Outros livros mais recentes incluem Mãe sereia (2018) e Awon Baba (2022). Além de escrever, Teresa também é atriz, bailarina, roteirista, contadora de histórias e ativista social.

Em 2022, a autora participou da Festa Literária Internacional de Paraty ao lado de Cida Pedrosa em uma mesa (que você pode assistir no Youtube) sobre o feminismo e a expansão de causas coletivas para além dos limites do que é lido como periférico.

Em 2023, Teresa Cárdenas veio ao Brasil para uma série de eventos em escolas, universidades, e para o lançamento de seu mais recente livro infantojuvenil, Meu avô Tatanene.

Conselhos de escrita

Durante uma oficina do curso de Expressões artísticas e feminismos latino-americanos: literatura do Núcleo Feminismos do Sesc Niterói, contamos com a ilustre presença da escritora Teresa Cárdenas, autora de dezenas de romances, livros de contos, infantis e de poemas. Durante uma manhã inteira, Teresa compartilhou sua história de vida, seus percursos de escrita, perguntou sobre nossas experiências literárias e objetivos com a escrita, e nos deu conselhos valiosos, entre aspas, que agora, mesclados à minha interpretação e outras leituras, compartilho no texto a seguir.

1. “Escreva apesar dos obstáculos”

Mais aliada a Glória Anzaldúa do que a Virginia Woolf, Teresa nos lembra da importância de escrever apesar dos desafios, apesar da rotina atribulada, que muitas vezes para as mulheres inclui o cuidado (de filhos, pais, marido, outras pessoas), a casa, o trabalho, os problemas financeiros e pessoais, e tudo o mais que nos impede de nos sentarmos à frente de uma página em branco (as ansiedades, a síndrome de impostora, o medo de não ter algo a dizer, o medo do que temos a dizer). Devemos fazer o esforço de escrever quando der, pelo tempo que pudermos. Como a própria Teresa diz, “exercício dá ofício”. Só a escrita constante nos ajuda a lapidar e encontrar nossa voz.

2. “Não escreva para prêmios”

Esta frase tem significados múltiplos, todos ótimos conselhos: a) não devemos escrever visando apenas uma validação, uma glória; precisamos escrever porque é o que nos sustenta, é o que nos move, é o que nos faz sentir que estamos vivas; b) evitemos escrever para nos encaixarmos em determinadas caixinhas sociais. Isso não quer dizer que não vamos escrever um texto para concorrer a um concurso que pede um tema determinado, mas que não devemos adequar a nossa escrita às expectativas do outro. Por exemplo, escrever algo totalmente diferente do seu estilo, da sua voz, não porque você quer, mas só porque talvez agrade ao júri de determinado concurso.

3. “Conheça tudo sobre o que se escreve”

Teresa nos conta como escreve em sua casa: rodeada de livros e referências por todo canto. Para escrever Cachorro Velho, que se passa na Cuba do século XVIII, Teresa não só pesquisou a geografia local da época, como também a flora, para citar corretamente as plantas que eram usadas para rezas e remédios naquela época, muitas das quais não existem mais na Cuba contemporânea. Para um outro romance ainda em processo de escritura, Teresa pesquisa a fauna local, pois há um personagem que sabe reconhecer os pássaros pelo som, e para ela é importante também conhecer os pássaros e os seus sons para escrever sobre isso, mesmo que a informação acabe sendo usada em apenas um trecho do livro.

4. “Escreva, reescreva, escreva, reescreva”

Outra referência que Teresa gosta de usar no seu processo são os dicionários, especialmente os de sinônimos. Durante a escrita, ela lê e relê seus textos, corta palavras, substitui por outras, escreve e reescreve. Ler em voz alta é outro conselho de Teresa Cárdenas que vai de mãos dadas com esse, pois ouvir nossas palavras nos ajuda a perceber se o texto soa bem, se está prolixo, se está no ponto certo.

5. “Não tente ser mais original que deus. Ninguém chega lá”

Teresa nos lembra de que somos humanos: “escreva sobre o que você conhece, não escreva pensando que precisa dizer coisas transcendentais para a humanidade; o que você conhece já pode ser transcendental para muitos.” Ou seja, por que tentar alcançar as estrelas, escrever algo que nunca foi escrito (tarefa impossível), se empenhar em fazer uma obra de relevância mundial, quando o que mais temos de interessante pode ser justamente a nossa vivência, o nosso olhar do mundo, o que sabemos (que não é tudo). Por que tentar ser universal, se você já é singular — e isso basta? Teresa Cárdenas ainda reforça: “não fuja da sua identidade. Seja o mais autêntica possível. Escreva com honestidade, não tente ser outra pessoa pois não vai conseguir.”

6. “Respeite o tempo do livro”

Algumas histórias requerem mais tempo do que outras para nascerem. Não nos cabe apressá-las. Outras, são o contrário: se impõem, nos chamam a escrever. Foi assim com Cartas para minha mãe. Enquanto escrevia Cachorro Velho, vencedor do prêmio Casa de las Américas em 2005, Teresa perdeu a mãe. Em seu processo de luto, começou a escrever “cartas para o céu” como forma de aliviar o que sentia, que acabaram se transformando no seu primeiro livro, sobre uma menina que perde a mãe muito cedo e vai morar com parentes que não a tratam muito bem, e escreve cartas para a mãe como forma de aliviar seu sofrimento.

Cada livro tem seu próprio tempo. Cada personagem, também. “Tenho que ter paciência, esperar que o personagem me conte o que preciso escrever, como preciso escrever.”

7. “Não insista numa história que não quer ser contada”

Há histórias que se demoram a revelar, mas há aquelas que simplesmente se recusam. É preciso saber respeitá-las também. “As histórias se escolhem”, reforça Teresa. Se uma história não avança, não melhora, por mais que você mexa e remexa, e não parece ter jeito, melhor abandoná-la e partir para outra coisa.

8. “Para escrever para as crianças, pergunte às crianças”

Não se deve subestimar a inteligência das crianças. Elas são capazes de entender os assuntos mais complicados, e não se deve ter medo de abordá-los. Deve-se, no entanto, resguardar a infância e a pureza das crianças, protegê-las de mazelas que são problemas de adultos, não delas. Segundo Teresa, um livro para crianças deve ser esperançoso, mostrar aspectos positivos de uma situação, mostrar que problemas podem ser apaziguados. O livro deve acolher a criança, se mostrar companheiro. Em Mãe sereia, Teresa conta a travessia de africanos escravizados em navios para as Américas, e invoca a orixá Iemanjá como a protetora dos mares que se enfurece ao ver os filhos de África em sofrimento. Embora seja um tópico triste e terrível, Teresa Cárdenas encontrou uma maneira de apresentá-lo às crianças numa linguagem fácil de assimilar e atribuindo-lhe um peso que elas conseguem carregar.

9. “Escreva em nome do branco do teu cabelo”

A escrita é o nosso legado. É a nossa marca no mundo. É o que deixaremos para nossos filhos e para tantas outras pessoas que jamais conheceremos. “Mesmo depois de finalizado, o livro continua seu caminho”, diz Teresa Cárdenas, “tocando pessoas em outros lugares, outros países, de formas que você nem imagina”. Escreva, porque é como você se expressa melhor. Escreva, para mostrar ao mundo a que veio. Escreva, para dizer que esteve aqui. Escreva, porque a vida é curta e seus cabelos já estão brancos. “Escreva, porque este é o seu legado. Escreva como se fosse à guerra; e apaixonadamente.”

Eu e Teresa posando com nossos livros na biblioteca do Sesc Niterói, 16/09/2023.

Leia: Roupa de Ganho, de Clara Bezerra

Tão difícil
Beber o outro
Olhar e saber ver
Que o copo cheio de cachaça
É uma alma cheia de vazio
Que nenhum líquido preencherá
A solidão dos que são só
Água calada
Que escorre
E tudo leva, nada lava
Cactos de expectativas
Que nenhum líquido preencherá
A solidão dos que são
Só
— Roupa de Ganho

Água de beber e de lavar. Água que nos banha o corpo e a alma, água que vertemos em copos e em lágrimas, água que escorre morro abaixo e pelas frestas, água que afoga e que afaga. Água que limpa, purifica; que preenche e faz falta. Água que chove e água que move. Toda uma poesia da água está presente nos poemas de Roupa de Ganho, livro de estreia de Clara Bezerra lançado em agosto pela editora Paraquedas.

Nascida em Acari e criada em Cruzeta, interior do Rio Grande do Norte, a 215km de Natal, Clara cresceu rodeada de literatura por influência da mãe professora de Língua Portuguesa. O gosto pela leitura a acompanhou por toda a vida, dos clássicos de Machado de Assis, Aluísio Azevedo e José de Alencar à poesia de Manuel Bandeira, Hilda Hilst, Ana Cristina César, Manoel de Barros e tantos outros que escoaram para a sua poética até desaguar neste livro de poemas, compostos ao longo de 15 anos.

“Esses escritos falam do caminho de me tornar adulta e mulher, das coisas que perdi, dos lugares onde passei, dos medos, mas principalmente da minha coragem porque também é uma exposição muito íntima”, conta Clara.

Assim nasce “Roupa de Ganho”, das suas experiências de vida, das suas referências literárias, das suas memórias de infância. O título é uma referência às lavadeiras que ganhavam a vida lavando a roupa dos outros, ofício que fascinou Clara desde cedo. Hoje, a autora, formada em Letras, Publicidade e com um mestrado em Estudos de Mídia, se considera uma “lavadeira de palavras”.

E assim, Clara Bezerra vai lavando, esfregando e ensaboando suas palavras, que ganham novo significado quarando ao sol: poemas singulares, potentes, fluidos, em que a água é protagonista, ou melhor, o canal por onde desembocam as vivências e histórias de uma mulher que transborda força e delicadeza.

óvulo
De que sou feita
Eu?
De mares, paisagens
Paranoias, prisões
Navios negreiros
Veleiros, velas, porões
Escuro
Terras áridas, úmidas
Visões
Descobrimentos
Encantos
Eu, esse pedaço de dor
Dividida em tratados
Tordesilhas
Essa terra descoberta
Essas veias externas, expostas
Os caminhos
Os erros todos do mundo
Jorrando sangue, canhões
Guerras
Ressentimento de tudo
Os gritos de libertação
Tambores, canções
Essa que sou eu, aqui
Muitas que fui
Antes de mim
Muitas que fluem
De onde vim

Compre Roupa de Ganho no site da editora Paraquedas: https://www.lojadaclara.com.br/produto/roupa-de-ganho-clara-bezerra.html ou em versão ebook no site da Amazon.

10 autores independentes para conhecer na Bienal do Livro 2023

A Bienal do Livro do Rio de Janeiro está completando 40 anos em 2023. Um dos maiores eventos literários do mundo, a Bienal acontece de 1 a 10 de setembro no Riocentro, com uma programação extensa que inclui palestras, lançamentos, bate-papos com autores e mais de 500 expositores. Confira a programação completa aqui.

Além de ser palco de grandes nomes da literatura nacional e internacional, a Bienal do Livro também abre espaço para autores iniciantes e independentes lançarem suas produções literárias e conquistarem o público. Confira a seguir 10 autores nacionais independentes que estarão na Bienal do Livro 2023.

Marina Hadlich | “Até essa comédia se tornar romântica” (romance)

Natural de Santa Catarina, Marina Hadlich fez sucesso na Flip 2022 com seu livro infantil “O menino que se escondia”. Agora, a autora integrante do Coletivo Escreviventes estreia na Bienal do Livro do Rio de Janeiro com um romance para adultos, “Até essa comédia se tornar romântica”. O lançamento com presença da autora ocorrerá no dia 9 de setembro às 20h no estande do Grupo Editorial Portal, mas o livro estará disponível no estante da editora durante todos os dias do evento.

Onde: Pavilhão Verde, V-08 Estande U 09
Lançamento: 09/09, 20h

Leticia Maia | “Amor em grãos” (romance)

Fotógrafa e curadora do clube de leitura Pé de palavra, Leticia Maia faz sua estreia no romance e na ficção com “Amor em grãos”, a história de uma mulher que tem sua vida transformada em uma viagem ao Japão. Ao lado de Patricia Chirico, que lança “Contices”, Leticia Maia é presença confirmada na Bienal do Rio 2023 durante todos os dias do evento.

Onde: Pavilhão Verde, AL-24
Quando: de 1 a 10 de setembro

Marcelo Aceti | “Outros acetetos” (poesia) e Revista Lira

Marcelo Aceti é escritor, músico e poeta, além de atuar como editor e curador literário. Com milhares de livros vendidos, o autor niteroiense se destaca na literatura infantil com suas obras musicais, e, na poesia, foi reconhecido pela Academia Brasileira de Letras e Artes Minimalistas por suas contribuições à literatura com os Acetetos, modalidade de poesia minimalista criada por ele. Na Bienal, além de um novo livro infantil acompanhado de programação musical, Marcelo lança “Outros Acetetos”, segundo volume da série de 7 livros compostos por 7 partes com 7 poemas de 7 versos com 7 sílabas poéticas.

Editor da Revista Lira ao lado de Evelyn Murad, Marcelo também lançará a quarta edição da revista durante a Bienal e participará de outros lançamentos, todos no estande da Editora Litteris.

Onde: Pavilhão Verde, V-14
Lançamentos:

  • Coletânea Literária – Imersão de Escrita Criativa, 03/09 às 19h45
  • Revista Lira, 07/09 às 13h15
  • Sarau – Coletânea de poemas, 08/09, 11h30 às 13h
  • Outros Acetetos, 10/09, 11h30

Neide Graça | “Cadê a lagoa que estava aqui?” (infantojuvenil)

Autora de textos infantojuvenis, Neide Graça traz em seu lançamento mais recente a história de Mariano e Chiquinho, grandes amigos que um dia descobrem que existiu uma lagoa na cidade onde moram e desde então passam a questionar: “Cadê a Lagoa Que Estava Aqui?” Uma história lúdica que convida crianças e adultos a questionarem e refletirem sobre as consequências das ações humanas na natureza. Com ilustrações de Nando Santos e publicado pela AfetoEditora, Neide Graça fará uma sessão de autógrafos na Bienal no dia 4 de setembro.

Onde: Pavilhão Verde, Q-22
Lançamento: 04/09, 14h

Patricia Schunk | “Descobrindo a cor de dentro” (infantil)

Neste livro infantil, Patricia Schunk cria o conceito da “cor de dentro”, aquela que conseguimos perceber com os olhos do coração, que é a nossa essência, nosso brilho de existir. E lança a pergunta ao leitor: qual é a sua cor de dentro? A autora de Niterói fará um evento de lançamento no dia 08/09 no estande da Tag Tuthor Books, na Bienal do Livro.

Onde: Pavilhão Verde, U-20
Lançamento: 08/09, 16h

Célio Albuquerque | “1979: o ano que ressignificou a MPB” (não ficção)

Organizado pelo jornalista Célio Albuquerque, o livro “1979: o ano que ressignificou a MPB” traz histórias escritas por artistas e jornalistas sobre 100 LPs da época, resgatando a memória de um ano em que a música popular brasileira falou por si só. Publicado pela Garota FM Books, o livro estará disponível no estande da Máquina de Livros e terá sessão de autógrafos com o autor no dia 08/09.

Onde: Pavilhão Verde, T018
Lançamento: 08/09, 19h

Flávia Joss | “Histórias e memórias” (crônicas)

Autora de “Canções para desviver” (M.inimalismos) e “Desalinho — Ensaios poéticos” (Corallina Editora), a professora, poeta e escritora gonçalense Flávia Joss também marca presença na Bienal do Livro do Rio de Janeiro. A autora lançará seu mais novo livro de crônicas, “Histórias e memórias”, em duas sessões de autógrafos no estande da Tag Tuthor nos dias 2 e 9 de setembro.

Onde: Pavilhão Verde, estandes U20 e U21
Lançamentos:

  • 02/09, 15h no estande da Tag Tuthor (Pavilhão Verde, U20)
  • 09/09, 15h, no estande Tocando com palavras (Pavilhão verde, U21)

Nicole Ayres | “Dançando na varanda” (autobiográfico)

Fazendo sua estreia na Bienal do Livro 2023, Nicole Ayres lançará seu mais novo livro no primeiro fim de semana do evento no estande da editora Flyve. Dançando na varanda é um relato autobiográfico sobre um momento de crise vivido pela autora em 2018. Apesar do tema sério, a narrativa nascida do seu processo de cura tem tom leve e bem-humorado, e busca ajudar outras pessoas em fases mais desafiadoras emocionalmente. O livro está disponível gratuitamente em formato digital pelo Kindle Unlimited e à venda em formato impresso no site da editora Flyve, mas quem comprar na bienal com a autora, além de autógrafos, ganhará brindes exclusivos.

Onde: Pavilhão Verde, U-13
Lançamento: 01, 02 e 03/09

Jenny Rugeroni | 3 romances

Autora de romances e contos, Jenny Rugeroni participa da Bienal do Livro no dia 7 de setembro. Integrante do Coletivo Escreviventes e autora de mais de dez publicações digitais disponíveis na Amazon, incluindo contos premiados em concursos, o mais novo romance de Jenny, Insubordinada, está concorrendo ao Prêmio Kindle de Literatura. Jenny Rugeroni, que acabou de lançar um romance em espanhol em Buenos Aires pela editora Caravana, na Bienal do Livro 2023 lançará três romances: A herdeira do silêncio, O ano em que não choveu e Um céu de estrelas curiosas.

Onde: Pavilhão Laranja, CL-6
Quando: 07/09, das 13h às 16h

Luiz Gustavo Sá | “Ninguém está olhando” (contos)

Gaúcho radicado em Niterói, Luiz Gustavo Sá já participou de antologias de contos e poemas e foi pré-selecionado no Prêmio Sesc de Literatura em 2018. Na Bienal do Livro 2023, lança pela Penalux o livro de contos Ninguém está olhando, disponível durante todos os dias de evento no estande da Máquina de Livros.

Onde: Pavilhão Verde, T-18

Lançamento: 09/09, às 15h


Gostou das dicas? Acompanhe os autores e o perfil oficial da bienal nas redes sociais para ficar por dentro da programação completa.

E você, vai a Bienal? Como autor ou como leitor? Me conta nos comentários!

Por que fazer parte de coletivos de escrita?

Escrever é um trabalho que exige muita dedicação. Muito esforço. Muita leitura, muita prática, muita tentativa e erro. Investimos incontáveis horas na criação de histórias, personagens, mundos, na construção de poemas, versos, rimas, crônicas e muito mais. É um trabalho de fôlego. E de profundidade, como diz Aline Valek. Quando escrevemos, precisamos mergulhar fundo em nós mesmos para trazer à tona o que temos de mais precioso. Não raro afundamos na lama no processo.

Mas todo esse processo, além de desgastante, pode ser muito solitário. Até que nossas palavras ganhem o mundo em uma publicação, seja em forma de livro ou de post na rede social, não temos como saber se o que escrevemos vai ressoar em outras pessoas. Se elas vão gostar, se identificar, e querer ler mais do nosso trabalho. Nos sentimos no escuro.

Desde que comecei a publicar meus escritos, senti falta de trocar experiências com outros autores e receber um retorno mais crítico sobre a minha escrita que fosse além de uma carta de rejeição — o famoso “não foi dessa vez”.

Por isso, contar com a leitura atenta e honesta de outros escritores é fundamental. O feedback de pessoas que, assim como nós, estão investidas no ofício da escrita, pode nos ajudar a lapidar a palavra bruta para que encontremos o ouro em nossos escritos. Para além desse retorno valioso, também podemos compartilhar angústias, vitórias e aprendizados sobre o fazer literário. Mas nem todo mundo tem outros escritores no seu círculo de amizades. E é aí que entram os coletivos.

Coletivos de escritores são exatamente isso: um conjunto de pessoas reunidas em torno de um interesse comum, a escrita. Esses coletivos podem ter encontros presenciais ou online, podem ser organizados em torno de temas, gêneros literários ou pautas sociais. Podem ter publicações e atividades próprias ou ser apenas um grupo de pessoas que se reúne para bater papo sobre literatura e trocar experiências.

Hoje faço parte de dois coletivos: um de poetas, a Fazia Poesia, que reúne os poemas de seus participantes em uma publicação digital hospedada no Medium; e outro de mulheres escritoras, o Coletivo Escreviventes. Ambos reúnem gente do Brasil inteiro, têm a internet como base e usam as redes sociais para divulgação das obras de seus participantes e grupos de mensagem para a troca de ideias. Também promovem oficinas e outras atividades ligadas à escrita e organizam coletâneas para publicação independente.

Na Fazia Poesia, os integrantes podem submeter quantos poemas quiserem para publicação no portal. Periodicamente, a equipe editorial faz a curadoria de poemas-destaque do mês e organiza coletâneas com seleções de textos de um mesmo poeta. Tive a honra de ter um poema meu destacado em outubro de 2022.

Já o Coletivo Escreviventes tem uma proposta diferente. A cada mês, é sugerida uma provocação, um tema e uma orientação de formato (prosa/poesia) para nos inspirar a escrever. Compartilhamos os textos em uma pasta na nuvem e somos convidadas a ler e comentar os trabalhos de cada autora. Ao final, votamos nos melhores textos de cada ciclo, que são publicados no perfil do Instagram do coletivo e algumas vezes enviados para revistas parceiras, como Cassandra e Contos de Samsara. Poder trocar impressões e ler os trabalhos de mulheres tão plurais em primeira mão tem sido uma experiência valiosíssima.

Fazer parte de coletivos de escrita nos proporciona oportunidades únicas

Foi graças ao Coletivo Escreviventes que participei da Festa Literária Internacional de Paraty em 2022 pela primeira vez como autora. E esse ano, tudo indica que estaremos lá de novo.

Descobrir os coletivos de escrita tem sido uma experiência enriquecedora. Poder trocar experiências com outros escritores, que assim como eu, estão tateando no escuro no fazer literário, aprimorando suas artes e cavando seus espaços na literatura. Quando fazemos parte de um coletivo, somos parte de alguma coisa. É como se uma luz se acendesse e conseguíssemos enxergar que, nessa jornada literária e muitas vezes solitária, não estamos assim tão sós.

Coletivos literários

Além dos já mencionados Coletivo Escreviventes e Fazia Poesia, nas minhas andanças literárias tenho descoberto outras coletividades que valem a pena conhecer. Listo alguns abaixo. E, se você faz parte de um coletivo bacana que eu não citei aqui, me conta? Quero conhecer também!